Igreja pobre, pobre igreja

28/02/2012 15:44

 

A carta de Jesus à igreja de Laodicéia  (Ap 3.14-22) revela uma situação paradoxal. Uma igreja às voltas com o poder e a prosperidade, tida por Cristo como uma igreja pobre. Aqueles irmãos eram marcados pelo orgulho e auto-satisfação. Certamente o bem estar temporal tinha influência marcante pois a cidade era um centro bancário de fabulosas reservas financeiras, lá estava um centro industrial de tecidos e tapetes de lã e também uma reconhecida faculdade de medicina, onde se produzia um ungüento que curava os problemas dos olhos. Estas fartas condições refletiam no coração dos crentes laodicenses.

Os sentimentos que permeavam o coração daqueles crentes se fundamentavam em equívocos. Pensavam que eram ricos e abastados e não precisavam de coisa alguma. E com certeza isto era verdade, se bastassem as considerações materiais e temporais. Mas Cristo não vê como o homem vê (I Sm 16.7). Ele sonda corações (Ap 2.23) e olha todas as coisas da perspectiva da salvação, ou seja, do que realmente é melhor para cada um de nós considerado o plano eterno. E por esta ótica Jesus reprovou o sentimento presente naqueles corações, fazendo uma afirmativa muito triste, a começar pela falta de informações que grassava naqueles corações. Eles não sabiam. Não sabiam que eram infelizes, não sabiam que eram pobres, não sabiam que eram cegos e não sabiam que estavam nus.

Não saber. Eis a principal causa da pobreza que assolava aqueles cristãos. Eles com certeza se reuniam, cantavam, glorificavam e praticavam todas as coisas do cotidiano de um crente, mas não se aplicaram o suficiente para reconhecer os verdadeiros valores de Cristo, e com certeza, num desvio lento e gradual, se afastaram do propósito de Deus e da verdadeira riqueza. Se fizeram tão pobres, que nem sequer reconheciam sua situação.

Várias características daquela igreja estão presentes na igreja de nosso século. Temos recursos de toda ordem. Podemos usar de diversos métodos, técnicas, sofisticações. E tudo isto tem levado muitos cristãos e até igrejas inteiras ao sentimento de que não precisam de mais nada, tendo tudo em abundância. Mas sem saberem, estão em escassez do principal: ser dirigidos conforme a vontade de Deus. E pior, pensando que o que lhes acontece é sim a vontade de Deus. Pensamentos assim são comuns na vida dos pouco zelosos com o conhecimento de Deus, especialmente por priorizarem sua auto-safisfação.

Foi esta a preocupação exarada por Deus através do profeta Oséias, quando afirmou que o seu povo estava sendo destruído por falta de conhecimento (Os 4.6).  Pedro, dentre outros, também foi usado por Deus para exprimir a preocupação de Deus com o conhecimento. O mesmo Pedro, que fora chamado de “indouto”, agora formado em um intensivão de três turnos, 7 dias por semana, por mais de três anos, do Mestre Jesus, com atualizações constantes do Espírito Santo através da própria igreja, em sua segunda epístola, ressalta várias vezes a importância do conhecimento. Vejamos:

  “Graça e paz vos sejam multiplicadas no pleno conhecimento ... (1.2); visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento ... (1.3); E por isso mesmo vós, empregando toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência (1.5); Porque, se em vós houver e abundarem estas coisas, elas não vos deixarão ociosos nem infrutíferos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo (1.8); sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação (1.20); Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo (1.21). Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo pelo pleno conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo...(2.20); para que vos lembreis das palavras ...(3.2); antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (3.18).”

Sabemos contudo que dois aspectos básicos permeiam e empobrecem a igreja de nossos dias. O pluralismo e o pragmatismo.  O primeiro é manifesto em nossa propensão à admissão de muitas verdades. É por tal que conceitos como ortodoxia, radical, fundamentalismo, metódico e outras que possam ter conotação de firme convicção estão equivocadamente crivadas de pejoratividade. Tendemos a admitir a diversidade de opiniões e experências, pois, segundo alguns, todos os caminhos, todas as crenças, levam a Deus. Assim, inexistiria o certo e o errado, mas uma diversidade de formas.

O pragmatismo é manifesto no conceito de que uma fé que valha a pena ser vivida deve mostrar bons resultados no curto prazo, e de preferência, no contexto da vida temporal. Assim precisamos de uma prosperidade para o curto prazo. Precisamos ser felizes agora. Deus precisa corresponder à minha fidelidade financeira agora, em critérios que costumamos determinar. Aliás, determinamos, e cabe a Deus validar nossa determinação. E mais, profetizamos, não importando se corretamente fundamentados na Palavra de Deus ou não. Que os resultados apareçam ou esta fé merece todo questionamento. Afinal “tudo podemos naquele que nos fortalece” (texto isolado do contexto).

Tais conceitos apenas encontram guarida em corações distantes do comprometimento com a Palavra de Deus. E por estarem distantes ocupam-se de meias verdades. Se deixam conduzir por métodos de avaliações superficiais e equivocados. É por tal que o meio evangélico admite hoje muitas práticas que nos levam de retorno a rituais e símbolos do tempo da lei mosaica, sucessões de campanhas, um culto formatado para satisfazer a nossas emoções e baixíssimo envolvimento com a Palavra de Deus.

O tempo de estudo congregacional da Palavra em nossas igrejas reflete nossa verdadeira devoção a Deus, enquanto igreja. O mesmo, claro, deve ser dito sobre o estudo individual da Palavra. Martinho Lutero assim se manifestou sobre as Escrituras: “Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para o que há de vir”.

Como são pobres os que se firmam em quaisquer outras coisas, que não sejam as Escrituras Sagradas, corretamente e completamente compreendidas. Estes estão se abstendo do melhor de Cristo, que é a vida eterna. Pois sob o risco da mornidão se ocupam de trivialidades. Algumas até não são dispensáveis, como cursos para líderes, homilética, etc, mas ainda assim não superam em importância a Palavra, que é a única com função de ser lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (Sl 119.105).

Por isto Jesus disse aos laodicenses, o que também se aplica a qualquer igreja com as mesmas características: “aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas, para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, a fim de ungires os teus olhos, para que vejas.” O problema destas pobres igrejas é que em sua maioria pensam que são ricas. 

 

Por Samuel Alves