O Empregado Horista na legislação Brasileira

03/07/2012 19:38

 

-        O EMPREGADO “HORISTA”

NA LEGISLAÇÃO DO TRABALHO BRASILEIRA

 

AFT. Samuel Alves Silva

Abril/2001

 

 

Da verificação de alguns casos de equívocos acerca da utilização do denominado "empregado horista",  se faz interessante expressar as considerações que se seguem, com fins a propiciar  bases para novos estudos e posicionamentos.

 

O termo “horista”, em distinção ao termo “mensalista”, encontra utilização justificável sempre que temos um empregado que labora em jornada inferior ao limite máximo permitido. Como sabido,  a legislação admite o salário/hora como garantia de proporcionalidade de salários entre empregados que laborem em diferentes extensões de jornadas de trabalho para mesmas atividades. 

 

Em legislação recente a CLT foi acrescida do artigo 58-A, que diz: “Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais”.

 

Assim tem-se que a consideração da quantidade de horas trabalhadas já é prática enraizada em nosso ordenamento jurídico trabalhista. Nossos mensalistas são horistas que laboram a jornada permitida de 44 (quarenta e quatro) horas por semana. Nossos horistas são mensalistas que laboram jornada inferior à máxima permitida, com rendimentos proporcionais à duração definida para a jornada, que deve ser igualmente constante do  Contrato de Trabalho, Livro de Registro de Empregados (ou equivalente), Quadro de Horário de Trabalho, e demais pertinentes, todos igualmente sujeitos a todos os requisitos da legislação trabalhista, gozando, inclusive, dos mesmos direitos à remuneração da jornada extraordinária, com os adicionais legais,  sempre que laborem além de suas respectivas jornadas normais.

 

Sendo oportuno,  duas são, na verdade, as modalidades fundamentais de aferição do salário, conforme nos informa Arnaldo Süssekind, citando Garcia Oviedo:

 

“O salário por tempo, ou por unidade de tempo, e o salário por peça, ou por unidade de obra. Entre ambas pode situar-se, como forma intermédia, o salário-tarefa. É salário por unidade tempo o que só tem em conta o trabalho que se realiza durante um certo período (hora, semana, mês), sem a estimação de um resultado concreto”. (Instituições de Direito do Trabalho, vol.1, Ed. LTR, 19.ª edição, 2000, pag. 403).

 

Continua o Prof. Süssekind, na mesma obra, página 404:

 

“O salário por unidade de tempo corresponde a uma importância fixa, paga em razão do tempo que o empregado permanece à disposição do empregador, independentemente do montante de serviços executados nos correspondentes períodos. Neste grupo estão os horistas, diaristas, quinzenalistas e mensalistas, cujos horários correspondem, respectivamente, às horas, aos dias, às semanas, às quinzenas e aos meses de trabalho.”  E ainda: A forma de estipulação do salário é que subordina a designação de horista, diarista, mensalista, etc., podendo o seu pagamento ser efetuado semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente”

 

NECESSIDADE DE DEFINIÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

 

Entendemos que a legislação pátria exige a definição de jornada para todos os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Tal é o dispositivo do artigo 74, “caput” da norma trabalhista que determina: “o horário de trabalho constará do quadro, organizado  conforme modelo expedido pelo Ministério do Trabalho e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.” 

 

O parágrafo primeiro determina: “O horário de trabalho será anotado em registro de empregados, com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados”. Apreende-se que  o horário de trabalho deve ser declarado, sendo necessário para isto sua precisa definição.  Portanto não pode, o empregado considerado "horista", ter seu horário de trabalho "em aberto".

 

JORNADA EXTRAORDINÁRIA

 

A partir do limite fixado em Quadro de Horário de Trabalho e Escala de Trabalho tem-se, por óbvio, jornada extraordinária, devendo ser remunerada, nos termos da lei, com acréscimo de pelo menos 50% do valor da hora normal de trabalho. É improcedente qualquer entendimento de que, laborando o trabalhador celetista no regime de empregado horista, “não é exigível o pagamento do adicional de  horas-extras a seus empregados, senão a partir da 8.ª hora trabalhada”. 

 

Importante se faz a transcrição de ensino do mestre Arnaldo Süssekind:

 

“haverá trabalho extraordinário toda vez que o empregado prestar serviços ou permanecer à disposição da empresa após esgotar-se a jornada normal de trabalho, seja em virtude de acordo escrito ou de instrumento da negociação coletiva, seja nos casos previstos em lei, por determinações do empregador, ressalvada a hipótese de compensação de jornadas...” E continua: “Outrossim, para que o trabalho, após a jornada normal, se configure como extraordinário, não obsta que a duração da referida jornada haja sido estipulada pelos contratantes em período inferior ao previsto, como limite máximo, pela norma imperativa que lhes for aplicável. Se o contrato de trabalho estabelecer a jornada normal de sete horas para o empregado sujeito ao regime geral de duração do trabalho, extraordinário será o serviço prestado depois de esgotada a sétima hora.” (Instituições de Direito do Trabalho, vol.2, Ed. LTR, 19.ª edição, 2000, pag. 821).

 

TEMPO A DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR

 

Prescreve a norma celetista, em seu artigo 4.º: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.” 

 

Definida a jornada de trabalho, constantes em  Escalas de Trabalho, o natural é que os empregados se organizem para a prestação de serviços no tempo designado, ficando impedidos de dispor daquele horário, ou mesmo de parte dele. Tem-se por exigível aquele tempo que, pactuado, leva o empregado a designá-lo para os cuidados profissionais, impedindo-o de dele usufruir, ou quanto a esse tempo se comprometer. Assim, todo o tempo previsto é tempo “a disposição do empregador”.

 

Situações em que o empregador dispense o empregado antes de cumprida sua jornada de trabalho pactuada, a salvo se expressa e eventualmente, para atender a necessidades específicas do trabalhador, a seu pedido, são de inteira responsabilidade do empregador, que goza do direito de administrar seu negócio.

 

Alegações de que tais dispensas ocorrem rotineiramente, a interesse do empregado, desde que os serviços assim o permitam, nos sugere alguns questões: como falar em benefício ou interesse do empregado, se o fator que define é de critério gerencial? Na verdade prevalece o interesse patronal. E ainda: como o empregado poderia se sentir a vontade para, antecipadamente, destinar diferente uso a um tempo que não sabe se terá, pois só lhe será permitido, se, e somente se os serviços naquele dia assim o permitirem, especialmente se estamos tratando de estabelecimentos de movimentação inconstante?

 

Tal prática necessariamente seria entendida como uma forma de compartilhar com os empregados dos custos do empreendimento. Estando baixo o movimento, o empregador dispensa a mão-de-obra, buscando liberar-se de salários e encargos. Assim o empregado participa com parcela de salário que é seu por direito. Seria  o empregado assumindo os riscos do empreendimento, o que não tem procedência legal.

 

Assim, em nosso entendimento,  não deve prevalecer qualquer  entendimento que prive o empregado de seu direito a  remuneração das horas não trabalhadas, por critério do empregador, pois em outras palavras, o empregador estaria impedindo o empregado de cumprir sua  jornada normal, praticando uma redução de salários, o que é contrária a nossa norma constitucional (art.  7.º inciso VI da CF/88).

 

Tal comportamento se equipararia ao do empregador que pagando por produção, deixa de suprir o trabalhador  do material necessário a  sua produção, como meio de reduzir-lhe o salário.  Tal comportamento, de tão grave, compõe o quadro descrito no artigo 483, “g” como razões para o empregado considerar rescindido seu contrato, e pleitear  a devida indenização (rescisão indireta), assim descrita: “ Art. 483/CLT – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização, quando: g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância  dos salários”.

 

Sobre o assunto se manifesta o Prof. Arnaldo Süssekind em “Instituições de Direito de Trabalho” 19.ª edição, Vol. I página 467, in verbis:

 

“Um  dos aspectos de maior relevo da proteção  que a legislação dispensa ao salário concerne à sua irredutibilidade, que decorre do princípio da inalterabilidade contratual, assegurada, de forma ampla, pelo art. 468 da CLT. Essa proteção, portanto, funda-se, não apenas na idéia de tutela do trabalhador, mas, igualmente, na de cumprimento do contrato de trabalho: o salário não pode ser modificado por ato unilateral do empregador, nem por acordo do qual resultem prejuízos para o empregado. É que a lei presume viciada a manifestação da vontade do trabalhador que concorde, durante a execução do contrato de trabalho, com a alteração efetuada em seu prejuízo, sobretudo no terreno do salário”.

 

Versando sobre a possibilidade de variação salarial, o Prof. Délio Maranhão assim leciona:

 

“O salário é uma das principais condições de trabalho. Não pode, por isso, nos termos do art. 468 da Consolidação, ser unilateralmente alterado, quer quanto à forma estabelecida, quer quanto ao valor fixado”. 

 

“... o empregado que percebe por hora ou por dia não é um “biscateiro”. Se o empregador lhe vinha, normalmente, proporcionando certo número de  dias e de horas de trabalho de modo a permitir-lhe a obtenção de determinado ganho total, não poderá reduzir esse número, que traduz verdadeira fixação quantitativa da obrigação de trabalhar, sendo, pois condição implícita do contrato” (Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1, Ed. LTR, 19.ª edição, 2000, pag. 556/557).

 

DESCANSO NÃO REMUNERADO

 

Casos já foram observados em que empregadores adotam a prática de destinar mais de um dia da semana para repouso de seus empregados horistas, remunerando somente um deles. Ou seja: um dia em que o empregado deveria estar trabalhando normalmente é designado para descanso, sem qualquer remuneração, no entendimento de que "a hora não trabalhada não necessita ser paga".

 

A concessão deste segundo dia de descanso semanal se iguala ao disposto acima sobre redução de jornada, a critério unilateral, com redução de salários.

 

Na verdade temos algo que eqüivale a uma suspensão. Se, por exemplo, o empregado A, com jornada de 7 (sete)  horas de trabalho, em um mês  tem 9 (nove) descansos, sendo que destes 4 (quatro) são dados  sem qualquer remuneração, Ter-se-ia o equivalente a uma  punição (suspensão). Seu descanso seria na verdade um impedimento ao trabalho, e portanto ao salário. Seria  uma forma de o empregador minorar seus custos às expensas do empregado, determinando  folgas sem ganhos.

 

ALTERAÇÃO DE  CONTRATO DE TRABALHO

 

Por oportuno, observe-se que, pelo entender de alguns  empregadores que os horários e duração da jornada de trabalho podem se alterar, a critérios gerenciais.

 

Recordemos o teor do Art. 468 da C.L.T:

 

 “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que  não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”

 

Deduz-se desta norma legal que nas situações em que ocorram alterações no turno de cumprimento da jornada de trabalho, mesmo que com o consentimento do empregado, se lhe resultar prejuízos, verifica-se infração a uma norma protetiva trabalhista. Tal prejuízo é certo quando há alteração na duração da jornada, seja para uma jornada inferior, por significar redução salarial; seja para uma jornada de maior extensão, pois além de acrescer tempo do empregado a disposição do empregador, reduzindo o tempo a seu próprio dispor, deixa de poder usufruir do rendimento do trabalho em jornada extraordinária.

 

Relembramos, em conclusão,  o teor da legislação do trabalho nos artigos 9.º , 444 e 468 da CLT, que entendemos  aplicáveis às questões aqui tratadas:

 

Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468, “caput” - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

 

 

 

 

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