Somos pentecostais?
SOMOS PENTECOSTAIS?
Por Samuel Alves Silva
Estatisticamente os pentecostais são atualmente o grupo cristão que apresenta maior taxa de crescimento. Visto desta forma estão computados os pentecostais clássicos, os neopentecostais e os carismáticos. E claro, a partir da própria existência do clichê “pentecostal”, os posicionamentos acontecem, revelando sensos de orgulho ou de desprezo pelo “ser pentecostal”. Dentre os pentecostais há os que chegam a dizer que “a minha igreja é do fogo, é pentecostal”; ou “a minha é do retetê!”Mas o que significa de fato ser pentecostal, pensando em nosso contexto cristão?
O dia de pentecoste trouxe uma experiência unificadora, unindo judeus e gentios, convertidos segundo os ensinos de Cristo, dando forma à Igreja. Por isto somos uma só igreja (1Cor 12.13), com unidade espiritual (Ef 4.1). O que ocorreu naquele dia não foi uma experiência isolada para alguns cristãos, mas algo que compõe o próprio cristianismo, vez foi ordenado a todos que permanecessem em Jerusalém até o revestimento do alto (At 1.4). E todos permaneceram e foram cheios do Espírito Santo (At 2.1-4).
É interessante que diferente do que alguns pensam, as características do pentecostalismo vivido por aqueles irmãos difere das características de pentecostalismos vividas por alguns em nossos dias. Para alguns, ser pentecostal é ser barulhento, inflamado pelas sensações, incontrolável pelo “poder do Espírito”, ao ponto de quase entrar em transe, num êxtase que parece querer indicar que quanto mais profundo, maior o poder experimentado. Mas não foi assim naquele dia inaugural.
Comprova isto o fato de que logo após cheios do Espírito, e estando falando todos em línguas, a multidão se aproximou, buscando entender o que acontecia (At 2.6-12). E houve os que zombavam, como é natural em qualquer evento (At. 2.13). E nos diz a Bíblia que Pedro se levantou, com os onze, e erguendo a voz, passou a proclamar a primeira mensagem pública da Igreja sem a presença de seu mestre em carne (At 2.14 ss).
Observe que eles não usavam equipamentos de som, e o número de ouvintes era significativo (At 2.42). Com certeza Pedro não poderia ter pregado como fez, se não houvesse o silencio adequado, a ordem adequada. Então podemos assegurar que o poder de Deus experimentado não foi caracterizado pela histeria, transe, descontrole, gritaria, ou qualquer outra coisa que possa se aproximar a algazarra, mas houve ordem, momento de falar em línguas, e momento de refrear a alegria para ouvir a mensagem de Pedro, sendo aquela a terceira hora do dia (nove horas da manhã – At 2.15).
Em nenhum momento da igreja primitiva, conforme os registros bíblicos, se vez o descontrole, o êxtase e o barulho como características do pentecostalismo. Então há que se perguntar o que então caracteriza esta benção, que é componente nato do cristianismo, não devendo na verdade caracterizar um grupo, mas toda a igreja cristã?
Ser pentecostal envolve pelo menos três aspectos, que lhe servem como característica. Um deles é o aspecto missionário. Olhando para os primórdios da Igreja Primitiva, percebemos que a prática do livro de Atos é ser cheio do Espírito Santo para testificar. O pentecostalismo em Atos dos Apóstolos é a essência da Igreja, diretamente relacionado com a atividade missionária. Os cristãos não eram cheios do Espírito Santo para simplesmente adquirirem o “rótulo” de super espirituais (estes na verdade não existem no contexto bíblico) ou se limitarem a falar línguas estranhas, ficarem “sentindo arrepios” ou coisa deste tipo. Este revestimento tinha um propósito: capacitar para testemunhar sobre o evangelho. Então, considerando a responsabilidade que cada discípulo de Cristo deve ter no cumprimento da grande comissão registrada em Mateus 28, podemos afirmar que ser pentecostal é ser cristão do jeito orientado por Cristo, capacitado para cumprir o IDE de Mateus 28.19.
Também está intrínseca no movimento pentecostal a questão escatológica. Assim o pentecostal é caracterizado pela expectativa escatológica. Na época dos apóstolos e nos primórdios da Igreja, os crentes esperavam constante e intensamente pela volta do Senhor. Era costume na época, por exemplo, cumprimentar-se com a saudação "Maranata", que significa "Vem, nosso Senhor!" Era uma igreja que ansiava a volta de Cristo e se preparava para partir a qualquer hora, e não para ficar e usufruir do “melhor desta terra”.
Em quase todas as suas cartas, os apóstolos escreviam sobre a esperança viva da volta de Jesus, apresentando-a as igrejas como sendo possível a qualquer momento. Paulo, por exemplo, alegrou-se com a igreja de Tessalônica e confirmou para os cristãos dali: "pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam que repercussão teve o nosso ingresso no vosso meio, e como, deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro e para aguardardes dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura" (1Ts 1.9-10). E a Timóteo ele fez saber: "já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda" (2Tm 4.8).
Os quase 270 capítulos do Novo Testamento mencionam aproximadamente 300 vezes a volta do Senhor Jesus. Só alcançaremos o nível espiritual e a vida santificada que o Novo Testamento ensina quando a espera pelo Senhor receber tanto espaço em nossos corações como o tinha nas igrejas dos tempos apostólicos. O Dr. Kaftan disse: "O maravilhoso poder da Igreja primitiva residia única e exclusivamente em sua esperança viva pela volta visível e pessoal de Cristo" (Extraído do artigo A Hora da Meia-Noite, de Norbert Lieth, publicado em https://www.chamada.com.br). E esta esperança está plenamente associada com o “ser pentecostal”. O terceiro aspecto relacionado ao pentecostalismo é o avivamento. A igreja pentecostal era avivada. O avivamento não era um programa, ou uma campanha, mas um jeito de viver sob o senhorio de Cristo, dirigida pelo Espírito Santo. As coisas não eram feitas ou decididas em benefício de um ou de outro, mas orientadas pela Palavra, com a direção do Espírito Santo.
Uma questão em que a perspectiva da igreja atual se choca com a perspectiva da igreja primitiva diz respeito ao entendimento sobre “a vida em abundância” prometida por Jesus em João 10.10. Parte da igreja de hoje propaga a vida em abundância sob a perspectiva de “quantidade” ou “duração da vida terrena”. Mas na verdade a igreja primitiva compreendia que Jesus estava se referindo a uma vida em verdade que resulta em liberdade tal, ao ponto do cristão poder afirmar, mesmo na pior das circunstâncias: “tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13) ou “estou crucificado com Cristo. Agora, vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Todos os apóstolos foram martirizados, com exceção de João que passou o resto de sua vida em uma prisão. No tempo da igreja primitiva, um crente por dia era assassinado por causa de sua fé. Cerca de 300 crentes por ano eram mortos, 90 mil nos três primeiros séculos da igreja. A vida em abundância não se tratava de duração da vida, ou mesmo da libertação da morte, ou ainda na qualidade das relações sociais ou prosperidade financeira, até porque o que menos tinham eram direitos e bens. O que lhes sobejava eram perseguições e aflições (2Co 1.6; 7.5; 1Pe 4.13; 5.9; 2Tm 1.8).
Vida em abundância, prometida por Cristo, implicava em intensidade de vida na presença de Deus aqui na terra, enquanto a vida durasse. Podemos dizer, vida avivada pela comunhão cotidiana com Deus e com a Igreja. E garantia de vida eterna com Cristo.
Quanto a isso o apóstolo Paulo nos afirma: Pois tenho para mim que as aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada(Rm 8.18). Esta vida em abundância não se limita às coisas terrenas, mas aponta para o que é espiritual e incorruptível, a recompensa de todos aqueles que foram, são e serão salvos no Senhor Jesus Cristo.
Longe de ser o barulho a característica do pentecostal bíblico, ele tinha os Dons do Espírito (Rm 12; 1 Co 12; Ef 4) para servir aos demais conforme o propósito de cada um dos dons. Mas acima de tudo, o poder do Espírito Santo se fez percebido pelo Fruto do Espírito (Gl 5.22,23). Ter poder de Deus é andar no Espírito (Gl 5.16). O ápice da vida cristã é apresentar as virtudes do Fruto do Espírito Santo. Isto está intrinsecamente ligado ao “imitar a Cristo” (1Co 11.1) ou “desenvolver o seu caráter em nós” (Ef 4.22-24). É uma obra do Espírito Santo no homem (Tt 3.5; 2Ts 2.13). Muitos movimentos que se nominam pentecostais superestimam os Dons Espirituais e não enfatizam o Fruto do Espírito. Há algo que precisa ser revisado, pois o essencial não pode ser ignorado. Precisamos entender que para Deus o Fruto do Espírito vai pesar muito mais do que os dons quando tivermos que prestar contas a Ele.
Em Mateus 7, percebemos que há um grupo de pessoas que comparece diante do Senhor argumentando ter possuído dons espirituais., e muito “poder”, para profetizar, expulsar demônios e operar maravilhas. E de fato, Jesus não os desmente. Ele não afirma que eles faziam tais obras pelo poder do diabo ou coisa do tipo. O seu silêncio, neste sentido, parece autenticar a natureza das obras. No entanto, fica claro que este grupo é rejeitado pela ausência do Fruto do Espírito, quando Jesus diz: “nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticam a iniqüidade”.
Fizeram obras em nome do Senhor Jesus, se destacaram pela manifestação de dons em seus ministérios, mas se esqueceram do mais importante: desenvolver o caráter de Cristo. Ou seja, não foram conhecidos por Deus, não estiveram sob sua vontade. Para Deus o “ser” sempre virá antes do “fazer”. É claro que nossa vida cristã deve apresentar ações e obras, mas as mesmas devem ser resultados de um caráter comprometido com Jesus.
Portanto, ser pentecostal passa por estes três aspectos principais: visão e atividade missionária, inquietação pela expectativa da volta de Cristo e vida intensa na presença de Deus, dirigido pelo Espírito e tendo o Fruto do Espírito. Todos precisamos estar vigilantes, visando certificarmos de que estes valores estejam presentes em nossas vidas, caracterizando nosso ser pentecostal. Se presentes, está tudo bem. Podemos afirmar categoricamente que temos sido uma igreja pentecostal. Se não, devemos resgatá-los com urgência.