VOS SOIS O SAL DA TERRA E A LUZ DO MUNDO

17/03/2014 15:09

Vós sois o sal da terra e a luz do mundo – Mt 5.13-16

É histórico o problema dos extremismos desviando a igreja dos propósitos de Deus. Por isto a atuação do cristão em relação aos seus direitos e deveres políticos é hoje um tema de tamanha relevância, e ao mesmo tempo, um enorme perigo para desvios, tanto para a direita, quanto para a esquerda.

A igreja já perdeu muito por imersões completas no mundo da administração civil, tal como o que ocorreu desde o século IV, onde o governo civil e o eclesiástico se confundiram, até ao tempo da reforma, no século XVI. Foi o período em que a corrupção grassava a igreja institucionalizada, com uma visão turva da vontade de Deus.

Contudo a igreja também se afasta de seu papel de luz do mundo e sal da terra (Mt 5.13-16) quando abandona o tema, em uma visão distorcida do que seja santidade e vontade de Deus, defendendo uma completa separação entre a igreja e os negócios cotidianos de nossa existência neste mundo.

Ser santo, nos exilando de um comportamento social responsável, é abrir mão de possibilidades legitimas de fazer resplandecer a luz do Senhor Deus sobre todos os que estão em torno de nós. Isto não nos torna mais santos ou consagrados a Deus, mas sim irresponsáveis para com todos, incluindo a nós mesmos, nossas famílias, e todos em torno de nós que, de uma ou outra forma, podemos influenciar.

Não foi este o exemplo que encontramos em Cristo Jesus quando Ele, questionado sobre a licitude do pagamento de tributos ao governo romano, sendo confrontado por um entendimento de que o povo judeu não deveria se submeter a tal governo, ensinou a responsabilidade civil e espiritual dizendo: “dai, pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Lc 20.25).

Esta regra nos desafia. Tanto em relação ao de fato de que devemos dar a Deus o que é de Deus, algo que entendo, precisa nos provocar, pois devemos efetuar constantes verificações sobre nossa entrega a Deus do que é dele (e ai me refiro a nosso tempo, nosso dia de adoração, nosso prioridade para a Palavra de Deus, nosso fervor evangelístico, nossa fidelidade em ser dirigidos em verdade pelo Espírito Santo e não por nossos ideais de sucesso a qualquer custo, entre outros), bem como nossas responsabilidades para com o que é devido ao nosso próximo, à nossa comunidade, e ao  nosso modelo de sociedade, onde o governo, em todas as suas esferas, é de modelo democrático, ou seja, sujeito a ser melhor ou pior conforme a responsabilidade com que legitimamente participemos dele.

Este modelo democrático, bem como nossa responsabilidade em relação aos rumos que são assumidos por nossos governos e pela própria sociedade, não deveriam ser estranhos para o estudioso da Bíblia. Já no início da igreja temos a figura da administração compartilhada, claro, já presente em outras esferas, mas assumida pela igreja, com o estabelecimento do Colégio Apostólico e Assembleia de Membros, já a partir da escolha do substituto de Judas e da escolha dos diáconos, passando, inclusive, pela escolha dos dois primeiros grandes missionários na igreja (Atos 1.15-26; 6.1-3; At 15.22).

Temos ali, do ponto de vista humano, um processo democrático. Claro que para nós que compreendemos a responsabilidade de participação de cada um, sob a direção do Espírito Santo, temos mais que uma democracia, mas uma teocracia, pois a vontade de Deus é que estava sendo estabelecida, através da vida de homens e mulheres consagrados a Ele.

Nos dias bíblicos os governos não eram democráticos, mas autocráticos, monárquicos, hereditários ou tomados pelas armas. E mesmo neste quadro, a ordem bíblica de posicionamento responsável diante deles era muito forte. Vejamos alguns exemplos:

Aos juízes não maldirás, nem amaldiçoarás ao governador do teu povo (Ex 22.28; Ec 10.20);

Eu digo: Observa o mandamento do rei, e isso por causa do juramento a Deus (Ec 8.2);

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores (Rm 13.1-7);

Se sujeitem aos que governam, às autoridades (Tt 3.1,2);

Sujeitai-vos a toda instituição humana... Honrai ao Rei (1 Pe 2.13-17);

A autoridade é ministro de Deus para teu bem... a quem respeito, respeito; a quem honra, honra (Rm 13.4,7)

Na verdade ficamos com um problema nas mãos. Frequentemente a falta de vigilância grassa o povo de Deus, e nos vemos envolvidos com o comportamento descompromissado em criticas e maledicências contra nossos governantes, especialmente os escolhidos pelo voto, de todos os níveis, com comentários terríveis, desonrando-os com conversas e afirmações que findam por ser contrárias à orientação de Deus. Eis algo que precisamos revisar em nossas vidas e na vida daqueles que dependem de nosso cuidado.

Não deixando de compreender que a igreja não pode ser um partido político, e sua missão é o anúncio do evangelho, como determinado por Jesus Cristo na Grande Comissão (Mt 28.19,20), uma indagação que deve existir em nossos corações, seria: e se nos dias de Cristo, por exemplo, os governantes fossem escolhidos como o são em nossos dias? Nossos posicionamentos poderiam ser de alienação, completo distanciamento, ou de participação responsável? O que Cristo nos ensinaria?

Se assumirmos o completo distanciamento, estaríamos claramente deixando o controle de todas as coisas em torno de nós entregues ao mal. Isto é verdade, visto que em um sistema em que o povo escolhe seus representantes, se o povo que conhece a Palavra de Deus e portanto os valores éticos deste Deus, não der a importância necessária a sua necessidade de participação, então estará claramente negando que estes valores sejam aplicados a todos os governados e representados.

Ora, em consideração ao zelo de Deus para com os governantes, a ponto de nos orientar a honrá-los (1 Pe 2.13-17; Rm 13.4,7), e não difamá-los (Ex 22.28; Ec 10.20), não é razoável que seja vontade de Deus que deixemos as coisas acontecerem sem um posicionamento bíblico, comprometido, em que se faça resplandecer a nossa luz diante dos homens.

Devemos nos perguntar se a sujeira abundantemente constatada nos meios políticos não se deve exatamente pela falta da luz que Deus nos confiou. Quando nada fazemos, muitos dos eleitos por nossos votos, e de nossos irmãos, são pessoas que se submetem a pecados grosseiros, que vão desde a consulta a médios, orixás, até mesmo aqueles que dizendo-se cristãos, praticam o mesmo que os ímpios, com mentiras, engodos, e tantas outras práticas. E são eleitos como nossos representantes.

Repetindo algo que precisamos ter muito claro, a igreja não deve ser um partido político, e nem estar a serviço de um, mas igualmente não deve se esquivar, como organização social que é, a ter um posicionamento claro do que é certo e do que é errado. Não é razoável que cuidemos das almas, entregando-as ao abandono quando a questão é justiça social, boa utilização dos direitos civis e políticos que gozam, incentivo a que juntos, façam mais para que a luz de Deus brilhe onde estão.

Portanto, em benefício da preservação da sociedade, que é função do sal, e do esclarecimento dos caminhos, conceitos, vontade de Deus, ..., que é função da luz, não contemplo como podemos nos calar, ou nos omitir.

Passamos muito tempo entendendo que um posicionamento responsável em relação a escolha de nossos representantes neste cenário democrático, que nós chamamos de “política”, é algo sujo. E de fato, sem Deus, tende a ficar cada dia pior, mas a nossa santidade precisa ser mais forte que isto. Precisamos ser como ovelhas em meio a lobos, e fazer resplandecer a nossa luz nas trevas.

Claro que isto exige uma participação honesta, sem agendas secretas, tão comuns naqueles que simplesmente se opõem porque algum interesse seu não foi contemplado. Não é raro que entre nossos pastores e membros os envolvimentos políticos aconteçam, a troco de favores, de ajudas para alguma construção ou efetivação de outros projetos, empregos e colocações, ou mesmo de algum tipo de reconhecimento.

Não seriam mais correto que a Palavra de Deus fosse corretamente ensinada, de modo que a  justiça de Deus, que pode ser chamada de justiça social nos termos bíblicos, fosse adequadamente conhecida, e escolhêssemos nossos representantes conforme seu compromisso com tais valores? Não seria ainda melhor que, quando possível, sendo legítimo em nosso sistema democrático, escolhamos nossos representantes dentre nós, que professamos uma mesma fé? Por que não escolher pessoas dentre nós, em ações organizadas, para levar a luz aos meios políticos? Ou é imoral, ilegítimo, que busquemos anunciar os valores cristãos através de uma estratégia que finda por ser mais audível, e que ao final possa nos abrir mais as portas ao anúncio de um evangelho genuinamente bíblico?

Existem riscos, com certeza. Há um forte perigo de desvios, de excessos, de pleitos que não são nossos objetivos. Mas quero compartilhar que me preocupa muito mais o não tentar fazer algo, que é a omissão, tão ou mais danosa. Se juntos vigiarmos e orarmos, acredito que teremos chance de glorificar o nome de Deus, e ter abertas mais portas a que o Evangelho seja pregado.

Como quando abrimos uma nova igreja, não acredito que temos o direito de tão somente ser mais um, mas a obrigação de fazer como Deus quer que façamos: com zelo, com o cuidado em aplicar sua Palavra com fidelidade, com o compromisso sincero e honesto em relação a sua vontade.

Por isto nosso estímulo a que ensinemos sobre a vontade de Deus expressa na sua Palavra, para que nossas irmãs e irmãos não sejam massa de manobra na mão de homens e mulheres inescrupulosos, que em muitos casos, sob a aparência de piedade, se comportam exatamente como anunciado em 2 Tm 3.1-5.

Antes, que possamos compreender com mais clareza o contexto, e nossas opções neste contexto, sem nos imiscuir em níveis que não são corretos, ao mesmo tempo em que também evitemos posicionamentos omissivos. Eis a necessidade de ajudarmos uns aos outros.

Temos a oportunidade de sermos luz do mundo e sal da terra, na medida em que ousemos nos aproximar do tema, sob a ótica da Palavra de Deus e compromissados uns com os outros. Eu compromissado com nossa liderança e com você; e você compromissado com nossa liderança e comigo. Não é agradável a Deus, tanto que pratiquemos o pecado, como que deixemos nossos irmãos, e em muitos casos líderes, abandonados ou amaldiçoados por nossos posicionamentos e palavras. Nos atentemos ao ensino de Ec 7.16-18.

Juntos, nossa luz será mais forte.

 

No Senhor,  03/2014

Pr. Samuel Alves Silva.